Coletivo Vermelho de Teatro apresenta montagem baseada nas dores e prazeres de Frida e Almodóvar
Diogo Braz
Se as emoções um dia foram tinta espalhada nas telas de Frida Kahlo ou as lentes e películas de Almodóvar, também são os tomates dilacerados no corpo das atrizes de Rojo, montagem cênica do Coletivo Vermelho de Teatro que está sendo encenada no Espaço Cultural Linda Mascarenhas aos sábados de setembro.
Fruto de um projeto de pesquisa de residência artística do NACE – Núcleo Transdisciplinar de Pesquisa em Artes Cênicas e Espetaculares da UFAL, Rojo foi criado e montado de forma colaborativa, ou seja: todos os participantes tiveram oportunidade de contribuir em todas as instâncias do espetáculo, da trilha sonora ao figurino, passando pelo texto à encenação. A montagem teve orientação da Professora Doutora Nara Salles e hoje parece caminhar com as próprias pernas, convidando o público para um mergulho profundo num universo baseado na vida e obra de Frida Kahlo, na estética cinematográfica de Pedro Almodóvar e nas teorias do teatro pós-dramático de Hans-Thies Lehmann.
Foto Larissa Fontes |
Ao contrário do que alguém possa pensar, o processo de montagem não foi simples. “Dois ex-alunos tinham o intuito de fazer mestrado na UFRN e chamaram a Profª Drª Nara Salles para fazer um grupo de estudo. Ela achou que a proposta casava com um projeto do PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) que ela tinha em andamento com uma outra aluna. Aí o que seria um solo acabou reunindo trinta pessoas. A gente foi pesquisando sobre a vida e obra dos artistas, assistimos a toda a filmografia de Almodóvar, estudamos o teatro pós-dramático, processo colaborativo e fizemos treinamentos físicos, pois o teatro pós-dramático é muito energético, exige muito do físico. Nós nos dividimos em núcleos e começamos a criar coletivamente o espetáculo. Todo esse processo durou cerca de um ano até a primeira apresentação”, explica a atriz Joelle Malta.
A atriz Charlene Sadd explica um pouco dessa metodologia colaborativa “A estética desse trabalho se constitui a partir de dois referenciais, pensando nas cores e efervescências, um pouco da loucura e destempero que Frida traz para suas pinturas e na ironia e humor picante do Almodóvar. Mas, como é uma obra colaborativa, cada um traz um pouco de si também e a partir daí a gente constrói as nossas ações. E o teatro contemporâneo quebra um pouco da parede entre o público, então a intenção é que eu tenho algo que eu quero compartilhar e se alguém do público me retribuiu, eu também posso responder a essa ‘moeda devolvida’. O público então é também um participante do espetáculo”, explica.
Depois de algumas mudanças nos integrantes da peça, Rojo hoje é: Lais Lira, Jonatha Albuquerque, Joelle Malta, Charlene Sadd, Thiago Souza, Patricia Vieira, Daniela Beny, Gemma Galgany e Mary Vaz no elenco; Karina May, Pâmela Guimarães e Laís Queiroz na técnica; e André Cavalcanti e Natalhinha Marinho na trilha sonora.
Sob a influência conceitual e estética das obras da pintora mexicana e do cineasta espanhol, Rojo é, além de tudo, uma experiência sensorial, onde todos os sentidos do espectador são estimulados.
Os sentidos
Audição: A intensidade com que os textos são falados pelos atores, às vezes sussurrados próximo do espectador, uma voz distante, em todas as direções do hall do Espaço Linda por entre o público proporciona uma experiência interessante aos ouvidos. A trilha sonora do espetáculo tem trechos executados ao vivo e efeitos sonoros que dão um ambiente intrigante à montagem. Para o músico André Cavalcanti, participar de Rojo foi inovador. “Para o músico que toca em banda, esse processo de teatro e música é bem diferente do sistema de banda. A gente vai seguindo as orientações e acaba colocando um pouco de si na produção também. Eu estou gostando desse sistema”, explica.
Paladar: durante o espetáculo, o público pode experimentar uma espécie de bebida inspirada no Gaspacho, prato típico da culinária ibérica à base de tomate. O sabor da iguaria é mais uma amostra da pluralidade da peça: gelado, picante, meio amargo e com leve teor alcoólico.
Olfato: o cheiro dos tomates, do perfume das atrizes que circulam quase todo tempo próximas à plateia também são elementos que constroem o universo de Rojo.
Tato: os atores interagem com o público, não há medo do contato físico. Já no início, na porta do Espaço, os próprios atores conduzem o público pela mão até seus assentos. Os espectadores também interagem com o cenário, podendo ficar com os pés dentro da água de uma piscina montada no centro do Hall do Linda Mascarenhas.
Visão: sem dúvidas é o sentido mais estimulado. Quase tudo em Rojo desperta a atenção dos olhos, desde a sensualidade dos figurinos e dos gestos, as projeções de imagens nas paredes, até a iluminação, que cria um ambiente atraente e sensual.
Foto Larissa Fontes |
Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é
A sensualidade, aliás, é um dos pontos chaves de Rojo, até mesmo em cenas em que as sensações de sufocamento ou incômodo físico das atrizes poderiam ser recebidas pelo público com certa repulsa, o contexto sensual da peça cria justamente o efeito oposto, atraindo a atenção e o olhar voyeur do espectador. A cena dos tomates, quando as atrizes explicam por que ser ou não uma mulher de Almodóvar, é talvez a mais sensual do teatro alagoano. Não se trata de uma sensualidade apelativa, mas sim de um elemento fundamental na vida e obra de Frida e Almodóvar, que é trabalhado com primor pelo Coletivo Vermelho de Teatro.
Como consta no release da montagem, “Rojo parte da ideia de que a compreensão do mundo através da arte acontece não só por meio de uma leitura visual, auditiva ou tátil, mas de sinestesias”, e a todo o momento o público é estimulado a perceber o universo desses dois artistas primeiramente pelas sensações. O jornalista Fernando Coelho define bem o espetáculo. “Eu gostei muito, eu acho que só em trazer esses dois universos estéticos e conceituais de Frida Kahlo e de Almodóvar, isso já é uma promessa de despertar grandes emoções. E o Rojo trabalha nessa dualidade da dor e do prazer, eu acho que quem está assistindo consegue entrar em reflexões e sensações sobre esses dois pólos”, explica.
As encenações conseguem realmente despertar as emoções a que se propõem: a dor, a paixão, o sofrimento, a neurose e a sensualidade presentes na vida de Frida e o humor, a ironia e o sarcasmo provocativo dos filmes de Almodóvar podem ser vistos encarnados nas atrizes e atores, que realmente dão um show de interpretação.
O público, limitado à média de 30 pessoas por apresentação, interagiu com o espetáculo e deixou o Espaço Linda Mascarenhas satisfeito. “Eu acho importante pra cidade ter uma movimentação nessa área cênica, com uma proposta estética mais contemporânea, antenada com linguagens que estão em evidência nesse campo da arte. Parabéns ao Rojo!”, elogiou o jornalista Fernando Coelho.
Com certeza, Rojo é um espetáculo do qual você não conseguirá sair imune, isento de opinião. A montagem tem forte potencial para deixar impressões marcantes no público. Em tempos em que o comum é criar peças que causem somente a agradável sensação de entretenimento, Rojo se apresenta como uma boa alternativa para exercitar a arte de sentir e pensar.
Não deixe de conferir, no próximo sábado, às 20 horas, no Espaço Linda Mascarenhas: Rojo, uma montagem do Coletivo Vermelho de Teatro baseada na vida e obra de Frida Kahlo e na filmografia de Pedro Almodóvar. Entrada: um tomate maduro.
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